Eutanásia como Acto Médico – um último gesto de amor
O termo eutanásia vem do grego, significa morte boa ou piedosa e apesar de ser um tema relativamente recente em Portugal quando associado a pessoas, é frequente quando o associamos a animais de estimação.
Por vezes é leviana a forma como as pessoas se referem a este acto médico, referindo-se ao mesmo como “matar”, “sacrificar” ou “abater”, que pouco traduzem este último gesto de amor. Algumas pessoas quando confrontadas com esta opção ficam mergulhadas num mar de dúvidas e anseios… “estarei a tomar a decisão correcta?” .. “é esta a decisão correcta?” .. “conseguirei viver com o estigma de ter tomado esta decisão?”
Muitas vezes é o médico veterinário que acompanha o estado clínico a fazer de conselheiro estando disponível para conversar e dar a sua opinião, nunca esquecendo que, no final, a decisão será sempre sua. É um momento marcante e delicado uma vez que não nos compete tomar a decisão, mas sim fazer com que a pessoa se sinta confortável com a sua tomada de decisão.
Decidir se está no momento de os “deixar ir” não é fácil, torna-se importante parar um pouco para pensar num conceito, que apesar de subjetivo, é o nosso maior aliado na tomada de decisão: “qualidade de vida”. O nosso pet está ou ainda será feliz, estará em sofrimento, estará com dores, é reversível ou controlável a situação? Qual é a sua qualidade de vida e bem estar? Um tema de difícil interpretação em que tentamos humanizar os sinais esperando expressões de dor, choros, ganidos, quando na verdade devemos estar atentos a pormenores mais subtis como a diminuição do apetite, o emagrecimento, um maior número de horas a dormir, a menor ou total ausência de actividade física ou o simples silêncio, já que muitas vezes se afastam, optando pelo isolamento quando confrontados com situações de dor e desconforto.
Embora tomada em consciência, a decisão nunca é fácil: claro que custa! É um amigo, um familiar, uma recordação viva que não queremos perder nunca! Certamente que cada um de nós se lembrará de todos os momentos de alegria e felicidade que ele nos proporcionou, mas também de momentos difíceis, de choros entre almofadas em que o nosso amigo peludo esteve lá para nós, não arredando pé, olhando para nós como se entendesse o momento, nos ouvisse ou, mais do que isso, nos confortasse.
Por vezes, a verdade é que assumir uma morte pacífica, livre de dor ou sofrimento, será o acto mais benevolente, generoso e altruísta que poderá fazer pelo seu pet, mas terá que ser feito acreditando que é o melhor que poderá fazer. Nesta altura já se esgotaram as opções de tratamento, de controlo de dor, de criação de bem estar para algo que é irreversível …
O processo em si é livre de sofrimento: seguramos a sua patinha, colocamos um cateter e através dele será administrada uma substância chamada pentobarbital que, funcionando como um anestésico muito poderoso, induz inconsciência e posteriormente paragem da actividade cardíaca e cerebral em breves instantes. Pretendemos que seja como se adormecesse num sono profundo de uma forma tranquila e natural.
O coração vai ficar apertado, vai doer, a si, mas também ao médico veterinário que acompanhará essa última visita, pois não é de ânimo leve que o fazemos … Mas, chegado determinado momento ou atingido determinado nível de deterioração de vida do seu pet, devemos-lhes isso e ignorar essa realidade é abusar de um egoísmo atroz, que eles não merecem nem nunca fizeram por merecer – afinal de contas, estiveram sempre lá para nós.
Por Dr. Ricardo Silva, médico veterinário do Hospital Veterinário Ani Mar
Artigo de Fevereiro 2022, no Jornal Mais Semanário